Quando eu era criança, seguia (em alguns momentos a contra-gosto) as regras de higiene que a minha mãe me ensinava: lavar as mãos antes de comer, escovar os dentes após as refeições e antes de dormir, horário para banhos, lavar direitinho cada parte do meu corpo, limpar as orelhas, enxugar bem entre os dedos dos pés, manter sempre a cama limpa (comer na cama era proibido, porque caía farelos, o que era um convite para insetos), unhas sempre cortadinhas e lixadas, andar sempre com cabelo escovado, não sentar em tampas de privadas de lugares públicos, lavar as mãos após utilizar o banheiro, passar papel higiênico da parte da frente para trás... Enfim, regrinhas mais do que básicas para, além de manter-me asseada, proterger-me de bactérias.
Mas, apesar desses cuidados todos que a minha mãe tinha comigo, eu tinha todo o direito do mundo de correr descalça pela pracinha, mexer na terra, brincar nos bancos de areia, subir em árvores. Sempre fui uma menina que fugia a regra. Gostava de correr, pular... Perdi a conta de quantas vezes me estabaquei no chão pulando amarelinha, pulando elástico, tentando subir pelo lado contrário do escorrega (e na minha época o Merthiolate ardia). Claro que após essas minhas "aventuras" DELICIOSAS de criança, ao chegar em casa tinha que ir direto para o banho. Afinal, estava suja, suada, mas feliz da vida, por ter uma mãe que sempre incentivou meu lado curioso e impetuoso.
Hoje, olhando os comerciais de TV, estou ficando realmente preocupada...
Tudo começou com o lançamento de pastas de dentes capazes de resolver 12 problemas bocais. Ôpa! Na minha época a preocupação era com cárie, tártaro e quiçá com flúor. Aí inventaram pasta de dente para clarear, pasta de dente para usar à noite e amanhecer com o hálito mais fresco (Oi?), pasta de dente com partículas refrescantes, pasta de dente que previne e retira tártaro, pasta de dente que resolve problemas nas gengivas, pasta de dente que fortalece o esmalte... Isso sem falar das escovas de dentes, que não duvido muito, daqui a pouco serão vendidas com mini-robôs que se instalam em sua boca e, com sabres de luz, desintegram qualquer tipo de "mal".
Antes, quando íamos à um banheiro de shopping, era de praxe enxugar as mãos com papel - que de tão macio quase fazia uma esfoliação. Hoje os banheiros são equipados com jatos de ar quente. Ok! A natureza agradece o menor uso de papel, mas o ar úmido e quente não é mais propício para a proliferação de bactérias? Ok! Não sou cientista, apenas estou querendo entender esse surto de limpeza que está ocorrendo nos últimos 15 anos.
Antes um bebê ou criança, tomava seu banhinho com algum sabonete neutro (normalmente era o de glicerina), sabonete Jonhson e Jonhson (que alías tem um cheirinho delicioso!) ou até o sabonete da Turma da Mônica. Que delícia era cheirar uma criança com aquele cheirinho de infância...
Aí surgiram os sabonetes anti-bactericidas. O primeiro, se não me engano, foi o Protex. Ok! Não era indicado para crianças no início, mas depois os comerciais da marca mostravam até com computação gráfica que o sabonete acabava com 99,9% das bactérias.
A ciência então descobriu que os sabonetes em barra eram um ambiente propício para bactérias e lançaram os sabonetes líquidos (que eu até prefiro e admito) e agora tem no mercado o sabonete da marca Dettol, com a mesma premissa de proteger-nos das terríveis bactérias.
No meio desse "samba do criolo doido", surgiu a moda do álcool em gel e uma vertente de produtos similares: álcool gel que hidrata, álcool gel com perfume, álcool gel versão para levar na bolsa.
Os produtos de limpeza para casa não ficaram atrás: agora existe o Harpic Power Plus "5 vezes mais poderoso para remoção de bactérias", o Vanish ação anti - bactericida, esponja para lavar louça com ação anti-bactericida, detergentes ação anti - bactericida. As prateleiras de todos os supermercados estão cheias desses tipos de produtos, mas...
Aí eu me pergunto: isso é proteção ou já está virando paranóia?
Digo isso porque (como descrevi acima), na minha época não havia nada disso e não tenho em meu histórico médico nenhum relato de doença causada por bactérias e, como vocês já leram, eu tinha total liberdade para brincar e descobrir o mundo. Minha mãe não sacava da bolsa álcool para passar no balanço e eu me sentar, minhas roupas eram lavadas com sabão comum (claro que quando eu era bebê não, porque podia gerar alergias) e cá estou eu saudável.
Não sou cientista e nem tenho a pretensão de ser, isso é apenas um desabafo pessoal, mas eu já vi a ciência dar VÁRIAS bolas foras: já vi chocolate ser acusado de ser o motivo de espinhas, já vi o ovo ser acusado de aumentar o colesterol...
Quem está alimentando essa quase histeria: a ciência ou as empresas que fabricam esses produtos?
Temos que nos proteger o tempo todo: da violência cotidiana, dos caloteiros, dos colegas de trabalho que tentam nos passar a perna, das empresas que adoram nos cobrar por serviços que não solicitamos, das possíveis dores do amor...
E sabe o que eu descobri? Que por mais que a gente "tente" se proteger, não há garantia de 99,9% de que estaremos protegidos - uma analogia ao comercial dos sabonetes anti-bactericidas. Temos que enfrentar e deixar que o nosso próprio corpo crie anti-corpos, tanto nas questões do dia a dia, como na questão da higiene.
As pessoas daqui a pouco estarão andando com armaduras medievais nas ruas. Já é fácil ver isso através do aumento absurdo das relações virtuais. Tudo fica fácil com o "escudo" da tela de um computador.
Numa breve pesquisa que fiz na internet, descobri que na boca existem as seguintes bactérias: Estreptococos:
Streptococcus mitis, salivarius, pneumoniae, pyogenes, não do grupo A. Bactérias gram-negativas anaeróbias: Velonella sp., Fusobacterium sp., Bacteroides sp. Staphylococcus epidermidis, Treponema denticola, Treponema refringens, lactobacillus sp., Neisseria sp., Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae: do tipo b, não do tipo b, parainfluenzae; Peptostreptococcus, Actinomyces sp., Staphilococcus aureus, Enterobacteriaceae.
Deu medo ao ler isso?
Pois no site da Folha online descobri essa notícia: http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u573579.shtml.
Bactérias são amigas
Mas não adianta tomar mais banhos. Bactérias sempre viveram conosco. Precisamos delas. Elas são nossas amigas na maior parte do tempo. A maioria das que estão na nossa pele são inofensivas e realizam atividades úteis para nós', disse à Folha Elizabeth Grice, do Instituto Nacional de Pesquisas do Genoma Humano, nos Estados Unidos, autora do estudo. 'Parece que as pessoas estão preocupadas em travar uma guerra contra as bactérias, usando banalmente produtos antibacterianos e antibióticos. Esta provavelmente não é a abordagem mais saudável e nós deveríamos aprender a viver em harmonia com os micróbios dos nossos corpos", diz Grice. É que antibióticos matam todo tipo de bactéria, incluindo as do bem. Quando essas bactérias inofensivas desaparecem, o espaço que ocupavam fica livre para ser invadido por bactérias que podem causar problemas."
Resumindo: você vai deixar de dar um bom e gostoso beijo na boca por causa da lista que apresentei acima? Ou vai beijar e depois bocejar por 5 minutos sua boca com detergente? Se você ganhar um beijo no rosto, vai limpá-lo logo em seguida com álcool? Você vai deixar de viver, de sair, de experimentar, para se proteger das "pessoas bactérias" que vivem ao nosso redor? É saudável criar uma criança que terá nojo de tudo? Que ficará obcecada por uma limpeza perfeita, digna de uma sala cirúrgica?
Vá viver! As bactérias SEMPRE estarão presentes, tanto aquelas que só o microscópio vê, como aquelas que nossos olhos veem.
Não usem armaduras... Não somos máquinas... E mesmo as máquinas estão abertas a darem pane, receberem vírus...
Higiene e proteção são FUNDAMENTAIS, paranóia é totalmente dispensável!